"A medida do amor é amar sem medida" Santo Agostinho
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
O prestanista
Existem pessoas fortes, que nascem com tanta determinação que servem para serem admiradas. Meu pai é uma dessas pessoas. A maioria das lembranças que tenho dele, ao longo da minha vida, é ele trabalhando. Meu pai vem de uma família pobre e não teve uma infância muito boa. Aos doze anos de idade meu avô o deixou numa casa de um conhecido para que com seu trabalho na mesma ele tivesse direito a comida e roupas. Não entendo porque meu avô fez isso, mas fez. Meu pai, seu Brasil, como a maioria das pessoas o chama, poderia ter crescido reclamando da vida, lamentando-se por conta da vida que teve, mas não, é um dos homens mais paciente que já conheci. A primeira imagem que tenho dele, é do momento quando ele se organizava para sair para o trabalho. Como ele não completou seus estudos, era prestanistas (saía de porta em porta oferecendo todo tipo de coisa para as pessoas pagarem em várias prestações). lembro dele nos dias de chuva, meu pai acordava sedo, ia à padaria comprava pão, leite, manteiga, queijo quando o dinheiro dava. Ligava o fogo, como lá em casa não tinha muitas panelas, a vida era ainda muito difícil, ele assava o pão nas costas de uma tampa de panela, acordava a gente (os cinco filhos), dava café da manhã e começava a se organizar para ir trabalhar.
Seu Brasil colocava uma calça de brim já gasta pelo tempo de uso e pelo sol escaldante durante o dia de serviço, dobrava a calça até a metade da canela, para não molhar com a chuva, olhava em seus bloquinhos de anotações os bairros que tinha cobrança, os locais que tinha que fazer entrega. Lembro bem nitidamente que ele amarrava uns lençóis nos outros, juntamente a panelas, bacias, baldes e com um barbante juntava todo aquele material para venda e colocava nas costas como se fosse uma bolsa, eu imaginava que aquilo pesasse bastante. Passava o dia inteiro na rua. Ele andava tanto, pra cima e para baixo, que suas sandálias sempre viviam muito gastas, engraçado que era mais gasta de um lado do pé, igualzinha as minhas de hoje em dia. A vontade que eu tinha era crescer e arrumar um emprego que pagasse bem para que ele pudesse parar de trabalhar e também para comprar um fusquinha novinho para ele. Ele adorava fusquinha, igualzinho ao meu avô. Pensando nisso acabei de lembrar que minha mão brigava com ele porque mesmo com o pouco dinheiro que tinha ainda resolvia comprar UM CARRO, coitado! O máximo que ele comprava era um fusquinha todo quebrado por uns mil e oitocentos reais, ajeitava ele todinho e trocava por outro melhor (um chevete verde da década de setenta que soltava uma fumaça preta que manchava toda a parede da frente da casa, um melhor!). Mas tudo bem porque era a sua felicidade. Nos domingos de manhã, quando não estava trabalhando, estava debaixo do carro velho ajeitando, todo feliz. Uma vez acordei umas sete da manhã com ele chamando a gente para olhar o carro novo, que ele tinha trocado no Chevete, um Opala preto gigantesco que nem cabia dentro da garagem e que ainda fazia um barulho enorme quando ele tentava dar a primeira partida. Primeira né? Porque o carro só saía depois da quinta tentativa mais ou menos.
A pesar de tudo educou todos os cinco filhos debaixo de rédea curta, como ele costumava dizer, e a gente dizia que parecia um quartel. Mas educou bem, e isso eu tenho que agradecer a ele. Todos os filhos terminaram o segundo grau, coisa que ele só terminou aos quarenta e sete anos e minha mão só têm o primário. Cláudia, a irmã mais velha, fez faculdade de Geografia e está casada morando no Rio de Janeiro. Eu sou funcionária pública, formada em Biologia e atualmente cursando Física, Paulo mora na Bélgica e está para abrir um restaurante em Bruxelas, Marcos é professor de música no Rio e Marta, a mais nova, está cursando Matemática. Cara pra quem foi abandonado com doze anos e teve uma vida difícil e de muitas privações, acho ele um herói e se alguém me perguntar quem é meu ídolo, com toda certeza vou responder que é o meu pai, por todas as noites que ele acordava com meu choro, me dava leite e só dormia quando eu já tinha dormido. Pelos três reais que ele tirava todo dia do seu suor diário para eu almoçar na faculdade, pelas broncas, pelas surras, pelos castigos de joelho no feijão, pela sua presença ausente, que só entendo hoje. Gostaria até de ter coragem de dizer cara a cara: pai te amo, mas infelizmente não temos essa proximidade. Enfim é um homem admirável.
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