"A medida do amor é amar sem medida" Santo Agostinho

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O que tenho lido


CHAVES DA VAGUIDÃO
Era um bar da moda naquele tempo em Copacabana e eu tomava
meu uísque em companhia de uma amiga. O garçom que nos servia,
meu velho conhecido, a horas tantas se aproximou:
— Não leve a mal eu sair agora, que está na minha hora, mas o
meu colega ali continuará atendendo o senhor.
Ele se afastou, e eu voltei ao meu estado de vaguidão habitual.
Alguns minutos mais tarde, vejo diante de mim alguém que me
cumprimentava cerimoniosamente, com um movimento de cabeça:
— Boa noite, Dr. Sabino.
Era um senhor careca, de óculos, num terno preto de corte meio
antigo. Sua fisionomia me era familiar, e embora não o identificasse
assim à primeira vista, vi logo que devia se tratar de algum advogado ou
mesmo desembargador de minhas relações, do meu tempo de escrivão.
Naturalmente disfarcei como pude o fato de não estar me lembrando de
seu nome, e me ergui, estendendo-lhe a mão:
— Boa noite, como vai o senhor? Há quanto tempo! Não quer
sentar-se um pouco?
Ele vacilou um instante, mas impelido pelo calor de minha
acolhida, acabou aceitando: sentou-se meio constrangido na ponta da
cadeira e ali ficou, erecto, como se fosse erguer-se de um momento para
outro. Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai
dessa agora, Dr. Sabino! Minha amiga ali ao lado, também boquiaberta,
devia estar achando que eu ficara maluco.
Pois o meu desembargador não era outro senão o próprio garçom
— e meu velho conhecido! — que nos servira durante toda a noite e que
havia apenas trocado de roupa para sair. (...)
Fernando Sabino. A falta que ela me faz. 4. ed.
Rio de Janeiro, Record, 1980. p. 143-4. [pg. 67]

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