"A medida do amor é amar sem medida" Santo Agostinho

terça-feira, 12 de outubro de 2010

INFÂNCIA II

Conheci Tate e Taci quando tinha uns nove anos de idade, mais ou menos na terceira série do primário e a amizade perdura ao longo dos anos até hoje. Acredito que sermos amigas, ainda, talvez se deva ao fato de que cada uma tem sua vida e os encontros são cheios de histórias para contar e muitas saudades. Não critico as pessoas que tem amizades muito grudadas, mas para mim não funciona. Voltando, nossa amizade sempre foi muito boa e saíamos para muitos lugares divertidos, mas como meu pai era só um pouquinho super protetor, tínhamos planos e mais planos para que eu pudesse fugir de casa e poder aproveitar as festas. Na época de São João, no nosso bairro, sempre tem muitas festas e comemorações. Quando a gente já tinha uns doze para treze anos já estávamos na época das paqueras e vontade de namorar, como dependia de meu pai – ficava só na vontade, o São João era a melhor época, tinha muito forró e dança juntinho. Esperávamos um ano inteiro, e lógico passávamos um tempão bolando um super plano para poder me tirar de casa. Quando a palhoça lá perto da casa das meninas era armada, colocávamos o plano em ação. Meu pai, muito severo, não deixava sair de casa para as festas: − isso não é lugar para você! Mas obviamente que não desistíamos. Lá pelas seis horas da noite, Tate ia lá para casa, enquanto ela distraia meu pai, muita conversa, muito “sim senhor”, eu, no meu quarto, ganhando tempo, arrumando minhas roupas. Minha mãe era mais maleável e eu dizia para ela que ia para uma festa na casa de Tate (pelo menos eu contava uma meia verdade). Depois de um tempo, entregava para ela uma bolsa com minhas roupas, dizendo para meu pai que eram coisas que ela tinha me emprestado e ela ia na frente com as minhas coisas. Dizia ao meu pai que ia comprar pastel na esquina e só voltava no outro dia. Dançava a noite inteira com um menino que eu achava que gostava muito. Lá pelas doze e meia lá vinha seu Sebastião, pai das meninas, com um cachorro e um cinto na mão buscar a gente (pois já tinha passado da hora). Dormia na casa das meninas e no outro dia ia para casa levar broca e ficar de castigo. Como é que meu pai não suspeitava do nosso plano? Era todo ano a mesma coisa! Mais aqueles foram os melhores São João que tive, acho que só empata com os de Gravatá, mas essa já é outra história.

domingo, 10 de outubro de 2010

Frases I


"A aguia voa sozinha, os corvos voam em bandos. O tolo tem necessidade de companhia e o sábio necessidade de solidão." Friedrich Rückert

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Adooooooro!

Ir ao cinema sozinha; polinização; filosofar sobre o amor;  gosto de solidão; me cobrir com um lençol que acabou de sair do varal; de dançar sentada no sofá fazendo careta quando acho uma comida muito boa; gosto de comer  assistindo alguma coisa engraçada na TV; gosto quando o Barro Macaxeira desce a ponte e dá friozinho na barriga; gosto do cheiro de terra quando chove; adoooro cebola e pimentão; gosto de banho de chuva; de chorar com comédia romântica; de comer sentada no chão da sala; de chegar em casa e tirar a sandália e por o pé no chão; gosto de tomar o caldo do feijão antes que ele fique pronto. Acho que tá bom. Quem não gosta de algumas coisas esquisitas? Mas como já dizia o poeta “de perto ninguém é normal” e “de louco todo mundo tem um pouco” acho que não são coisas tão esquisitas assim não.

Sexta série


Estudei em escola de bairro até os onze anos, depois disso, minha mãe me matriculou numa escola mais longe de casa e que tinha até o ensino médio. Conheci pessoas bem diferentes das que eu estava acostumada. Na sexta série, conheci a turma de Luciano. A turma dele estudava à noite, um pessoal mais velho, mas que toda tarde vinha jogar vôlei em frente ao colégio. Eu ficava o intervalo todo olhando eles pela janela da sala. Suas brincadeiras, o jeito dele conversarem entre si, a sua rebeldia com os diretores do colégio. Enfim um mundo bem diferente do meu. E acabei me apaixonando por ele.  Foi nessa época que quase repeti o ano. Essa mesma turminha se juntava para jogar bola, exatamente onde eu praticava Educação Física, as meninas ficavam na arquibancada torcendo e os meninos jogando futebol. Eu fugia das minhas aulas e ficava observando ele de longe. Eram os melhores momentos da semana, os dias da Educação Física. No final do ano acabei sem nota alguma no boletim, e fazendo o monte de trabalho para não reprovar a sexta série e ainda por cima fiquei sabendo que ele tinha namorada, uma morena bem bonita do segundo ano. Fiquei bem triste, mas as lembranças que ficaram foram boas: aquele ano que fugia das aulas para observar aquele carinha.

Infância

Quando eu era pequena, dos meus dez aos quinze anos, meus irmãos e eu vivíamos trancados dentro de casa, meu pai achava “que lugar de menino era dentro de casa e se não obedecesse ficava de castigo de joelhos no feijão”. Então todo início de noite a turminha da rua que chegava do colégio se juntava em frente a minha casa. Brincavam de barra bandeira, pique esconde, estátua, elástico, chutar o pote, todas essas brincadeiras de criança. Meus irmãos e eu ficávamos só olhando e ansiosos esperando meu pai se aprontar e ir para a igreja, para o ensaio do coral. Ele nos deixava trancados, com o portão no cadeado e tudo, mas estrategicamente, tínhamos cerrado as vigas do portão e quando ele saia a gente levantava as vigas e saia para brincar. Divertíamos-nos a valer, mas todo mundo sabia que se ele pegasse a gente na rua quando chegasse era castigo na certa, então ficava todo mundo vigiando. Quando meu pai apontava no fim da ladeira a turma gritava: “corre, corre teu pai já vem!” Era uma correria só. Quando ele chegava em casa tava todo mundo, os cinco irmãos, fingindo que dormia, todos suados enrolados no lençol. Minha mãe ficava com raiva, por causa dos lençóis, mas só não reclamava porque sabia que se falasse alguma coisa íamos todos para o castigo. Parece ruim, mas não era não, se eu bem soubesse teria aproveitado mais aquele tempo de criança, quando a gente cresce e as responsabilidades vêm, a gente fica mais comedidos, mais chato. Enfim, tempos bons aqueles.

sábado, 2 de outubro de 2010

Texto de Clarice Lispector

Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!
(Imagem:  http://www.cidadaodomundo.org)

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO, Mario Quintana

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viesse pousar os passarinhos.

(Um adendo: Então, não sei se por medo ou por engano me afaste e menti)


(Imagem: http://jarbas.wordpress.com)

Meu amor por Gravatá




Muitos lugares que já visitei, ou que quero visitar me conquistaram bela beleza, pelos lugares que tem para se divertir ou pelas pessoas que tenho para visitar. Gravatá não, ela me seduziu por sei lá o que. Gostei de gravatá desde que pisei pela primeira vez lá, em 2004, o lugar é lindo, mas parecia que não era isso que estava chamando atenção. Era como se eu pertencesse àquele lugar, se é que isso é possível. Gosto muito da viagem de ida, das casas, de tomar vinho ou apenas apreciar a paisagem no cruzeiro, do friozinho e principalmente das flores. Tenho lembranças ótimas de lá e mesmo que passem anos, se tiver que escolher um lugar no mundo, vou escolher Gravatá.

Esqueceram de mim

Sempre que conto está história minha irmã costuma dizer que eu já nasci doida (- como uma criança reage assim numa situação dessas, qualquer outra só iria chorar! Afirma ela). Acho que tinha entre sete e oito anos, minha tia tinha chegado de férias de São Paulo e fomos todos passear no shopping (coisa de pobre mesmo né?! Porque quem tem dinheiro, que eu saiba, vai fazer compras, pobre vai passear). Fotos, sorvetes, muitos risos (porque quem ri é minha família, vixe!), hora de ir para casa. Espera o ônibus, o caminho de casa e quando já estavam deitados, de pernas para cima no sofá surge à pergunta: cadê Márcia? Esquecemos no shopping!!
O detalhe é que quando percebi, com sete anos, que estava perdida me direcionei ao guarda mais próximo: - moço minha família se perdeu de mim, o senhor poderia anunciar pelo alto falante para Suely Pereira da Silva que eu estou aqui em cima. Tipo assim, alôôô! Num era nessa hora que eu deveria está chorando? O guarda anunciou, mas como naquela hora minha família já não estava lá, ninguém apareceu. Encontraram-me umas quatro horas depois na parte administrativa do shopping, com as perninhas balançado, minha mãe fala disso até hoje. Enfim, essas coisas só comigo mesmo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Charge de Maurício Ricardo 02


o filme de Lula
http://charges.uol.com.br/2010/09/27/cotidiano-filme-inspirador/

Charge de Maurício ricardo


Plínio Arruda Sampaio

http://charges.uol.com.br/2010/09/30/cotidiano-grandes-debates-da-historia/

Ah! O amor 02


“O amor é o descanso da loucura.” Guimarães Rosa
“Com o amor vivi mais loucura que descanso, mas o aprendizado tem que começar em algum ponto.” Cristina Guerra
Frases interessante, curtas, mas dizem mais coisas do que de fato querem dizer. Tirando por mim, também acho que existe um pouco de loucura no amor. A necessidade do outro, que antes era apenas um amigo e nem queríamos ver tanto assim. O frio na barriga, o medo de perder, as loucuras ditas, as loucuras feitas. Os micos, o próprio amor. Ruim é quando acaba. Pra quem vai, cartas com tanto significado, ficam sem nexo. Para quem fica, “como aquelas palavras tão sinceras perderam o significado?” de início, até achamos “o amor não existe mais para mim!” Melodramático, mas é o que se sente. Depois passa, aliás, tudo passa com o tempo. E o que fica é o aprendizado (para quem é inteligente e consegue extrair coisas boas e aprendizado das coisas difíceis). E por passe de mágica a gente se esquece e... Acontece de novo, como dizem os americanos: caímos de amores. A pesar de tudo, que bom que existe esse tipo de loucura.

A lista


Conheci Liverton quando tinha dezesseis anos. Nunca tinha tido namorado e parte isso eu devia ao fato do meu pai ser muito “cuidadoso”. Interessamos-nos um pelo outro e ficamos algumas vezes, percebendo o jeito do meu pai, Liverton foi logo conversar com ele, para namorar em casa (coisa antiga né? Bom, mas na minha família sempre foi assim). Marcamos o dia, minha mãe fez um jantar, e chegou o momento. Cara, meu pai tinha se preparado durante o dia inteiro para aquele momento. Sua filhinha iria arrumar um namorado? Como assim? Ele preparou, numa folha de ofício uma lista com mais de vinte questões que incluía perguntas como: quais são suas intenções com minha filha? e até: você por ventura gasta seu dinheiro com mulheres da vida? Meus quatro irmãos e eu todos no quarto, escondidos atrás da cortina escutando a conversa e se acabando de ri. Meu pai contou todas as minhas desobediências (acho que ele tava tentando fazer ele fugir. E não sei como ele não fugiu mesmo). A cena era a lá O pai da noiva. Muito engraçado. Mas só duramos uns três meses, fico pensando: será que meu pai teve alguma coisa a ver com isso? (rsrsrs).

Eu sorri


Glauco. Doçura. Out./1987. p. 80.

O que tenho lido


CHAVES DA VAGUIDÃO
Era um bar da moda naquele tempo em Copacabana e eu tomava
meu uísque em companhia de uma amiga. O garçom que nos servia,
meu velho conhecido, a horas tantas se aproximou:
— Não leve a mal eu sair agora, que está na minha hora, mas o
meu colega ali continuará atendendo o senhor.
Ele se afastou, e eu voltei ao meu estado de vaguidão habitual.
Alguns minutos mais tarde, vejo diante de mim alguém que me
cumprimentava cerimoniosamente, com um movimento de cabeça:
— Boa noite, Dr. Sabino.
Era um senhor careca, de óculos, num terno preto de corte meio
antigo. Sua fisionomia me era familiar, e embora não o identificasse
assim à primeira vista, vi logo que devia se tratar de algum advogado ou
mesmo desembargador de minhas relações, do meu tempo de escrivão.
Naturalmente disfarcei como pude o fato de não estar me lembrando de
seu nome, e me ergui, estendendo-lhe a mão:
— Boa noite, como vai o senhor? Há quanto tempo! Não quer
sentar-se um pouco?
Ele vacilou um instante, mas impelido pelo calor de minha
acolhida, acabou aceitando: sentou-se meio constrangido na ponta da
cadeira e ali ficou, erecto, como se fosse erguer-se de um momento para
outro. Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai
dessa agora, Dr. Sabino! Minha amiga ali ao lado, também boquiaberta,
devia estar achando que eu ficara maluco.
Pois o meu desembargador não era outro senão o próprio garçom
— e meu velho conhecido! — que nos servira durante toda a noite e que
havia apenas trocado de roupa para sair. (...)
Fernando Sabino. A falta que ela me faz. 4. ed.
Rio de Janeiro, Record, 1980. p. 143-4. [pg. 67]

O NARIZ, Luiz Fernando Veríssimo


Era um dentista, respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos
anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem
opiniões surpreendentes mas uma sólida reputação como profissional e
cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o
susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles
narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes
que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso
dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa do
almoço — sempre almoçava em casa — com a retidão costumeira,
quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo
menos.
— Isto o quê?
— Esse nariz.
— Ah. Vi numa vitrina, entrei e comprei.
— Logo você, papai...
Depois do almoço, ele foi recostar-se no sofá da sala, como fazia
todos os dias. A mulher impacientou-se.
— Tire esse negócio.
— Por quê?
— Brincadeira tem hora.
— Mas isto não é brincadeira.
Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora,
levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou.
— Aonde é que você vai?
— Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.
— Mas com esse nariz?
— Eu não compreendo você — disse ele, olhando-a com censura
através dos aros sem lentes. — Se fosse uma gravata nova você não
diria nada. Só porque é um nariz...
— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha.
Deram risadas (“Logo o senhor, doutor.”), fizeram perguntas, mas
terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.
— Ele enlouqueceu?
— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há
15 anos. — Nunca vi ele assim.
Naquela noite ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de
dormir. Depois vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
— Você vai usar esse nariz na cama? — perguntou a mulher.
— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.
— Mas, por quê?
— Por que não?
Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o
nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele
enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante,
uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz
postiço.
— Papai...
— Sim, minha filha.
— Podemos conversar?
— Claro que podemos.
— É sobre esse seu nariz...
— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?
— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para
outra um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer
que ninguém note?
— O nariz é meu e vou continuar a usar.
— Mas, por quê, papai? Você não se dá conta de que se
transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os
vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.
— Não tem porque não quer...
— Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz
postiço?
— Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai.
Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma
diferença.
— Se não faz nenhuma diferença, então por que usar?
— Se não faz diferença, por que não usar?
— Mas, mas...
— Minha filha...
— Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A
recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não
sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava
aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os
amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o
convenceram a consultar um psiquiatra.
— Você vai concordar — disse o psiquiatra, depois de concluir que
não havia nada de errado com ele — que seu comportamento é um
pouco estranho...
— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu
continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o
que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de
me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom
pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas
repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de
borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?
— É... — disse o psiquiatra. — Talvez você tenha razão...
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não
se entregou. Continua a usar nariz postiço. Porque agora não é mais
uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.
Luis Fernando Veríssimo. O analista de Bagé.
28. ed. Porto Alegre, L&PM, 1981. p. 39-42.

O amor, para alguns, envelhece


Tenha estado muito interessada em Clarice Lispector. A maneira, o que e como ela escreve. Esses dias, lendo um conto sobre galinhas, Uma História de Tanto Amor, achei muito interessante a maneira simples que ela consegue falar de como o amor que sentimos vai mudando com o passar dos anos. O primeiro amor, sentido de uma maneira completa, entregue, total. Com as desilusões amorosas e o passar dos anos o amor fica tímido, medroso, é medo de sofrer. Isso fica a mostra quando ela diz “dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor”. Acredito que a gente não deveria guardar as coisas assim não, deixar de viver um amor completo porque outro anterior me fez sofrer. Deixar o exagero de lado, as loucuras e ficar comedido. Não! É chato! Eu, às vezes, demoro a esquecer mais esqueço principalmente porque é muito bom amar completamente sem amarras do passado e mesmo que elas existam, o bom é pensar nelas com carinho, esquecendo as mágoas.